Entrevista a Daniel Paiva, coordenador do projeto UrBio

Daniel Paiva é geógrafo e investigador do CEG, ao abrigo do Concurso Estímulo para o Emprego Científico, com o projeto “Innovative and creative practices for fostering environmental awareness, knowledge, and conservation action through direct experiences of synanthropic life in the city”. É também o investigador principal do projeto UrBio – Making urban planning and design smarter with participatory mobile biosensing, financiado pela FCT.

P1. Pode fazer uma breve descrição do projeto UrBio e explicar o que há de inovador na metodologia aplicada?
Na última década, os avanços nas tecnologias biomédicas permitiram que vários biodetetores como medidores de batidas cardíacas, encefalogramas ou sensores de atividade electrodérmica se tornasse mais leves, permitindo o seu uso fora do laboratório. Para quem estuda a maneira como as pessoas experienciam as cidades, esta foi uma oportunidade única para obter um conjunto significativo de dados fisiológicos que nos permitem obter mais informação sobre as respostas emocionais aos diversos ambientes urbanos. No entanto, a investigação que tem sido realizada com estes biodetetores tem sido até agora principalmente focada nos dados fisiológicos quantitativos, sem ter em conta como as pessoas podem interpretar esses dados e como isso pode transformar o nosso entendimento sobre como as pessoas experienciam as cidades.

Nesse sentido, o projeto UrBio procura introduzir as técnicas de biodeteção em métodos participativos comuns em investigação urbana. Para além de compreendermos melhor o que estes dados fisiológicos nos podem dizer sobre como as pessoas vivem as cidades, o nosso propósito é também compreender como estes dados podem ser utilizados no planeamento e no design urbano para criar espaços mais saudáveis e inclusivos, sem comprometer a participação dos cidadãos e das cidadãs.

P2. Pode explicar os principais objetivos do projeto “Innovative and creative practices for fostering environmental awareness, knowledge, and conservation action through direct experiences of synanthropic life in the city”? Quais são os impactos esperados?
Este projeto parte daquilo que é chamado o ‘paradoxo do pombo’. Esta é a ideia de que a qualidade das experiências de natureza que as pessoas têm na cidade são fundamentais para a conservação dos ecossistemas, porque a ciência mostra que as pessoas que têm mais contacto com natureza são mais ativas na proteção dos ecossistemas, e porque a maior parte da população humana vive em cidades. Mas a investigação também nos mostra que as pessoas passam cada vez menos tempo na natureza, e que preferem passar o tempo livre em casa.

Com isto em mente, o objetivo deste projeto é desenvolver experiências de natureza urbana inovadoras, através da integração do design urbano, das geotecnologias e das artes gráficas. Neste âmbito, em setembro de 2021 lançámos um jogo de realidade mista no Jardim Botânico da Ajuda, que foi desenvolvido por investigadores do IGOT, do ISA e de Belas-Artes. Desde então temos realizado vários workshops para compreender como as pessoas respondem a este tipo de experiência e o seu sucesso em promover consciência ambiental.

P3. Pode contar-nos um pouco sobre a sua trajetória pessoal e o que o levou a escolher a Geografia como área de estudo e profissão?
O meu percurso na Geografia começou há pouco mais de dez anos, no fim de 2011. Nessa altura, iniciei quase ao mesmo tempo o Mestrado em População, Sociedade e Território e uma bolsa de investigação no projeto europeu Chronotope: Time-space Planning for Resilient Cities. Desde então, tenho realizado investigação no Centro de Estudos Geográficos, com algumas passagens breves por outros centros de investigação, nomeadamente o Centro de Estudos Comparatistas e o Instituto de Etnomusicologia.

A minha investigação foca-se na experiência da cidade, com um foco especial em espaços de consumo, turismo e lazer. Interessa-me perceber como os espaços e as suas ambiências são arquitectados e desenhados para criar um tipo particular de experiência espacial, e como isso transforma a vida dos habitantes das cidades. A cidade e as suas ambiências não são apenas objetos para contemplar; elas afetam profundamente a qualidade de vida dos seus habitantes, as suas práticas, o seu sentido de comunidade, a sua saúde e bem-estar. Os projetos que estou a desenvolver procuram encontrar maneiras de assegurar que a criação de experiências urbanas leva a uma cidade mais inclusiva e sustentável.

P4. O que diria a um/a jovem que está a considerar seguir a área da Geografia ou Planeamento e Gestão do Território no ensino superior?
Esta geração que está a chegar ao ensino superior tem à sua frente desafios imensos. São estes estudantes que irão enfrentar as consequências das alterações climáticas, da extinção das espécies, das crises económicas e da inflação, das guerras e da militarização, das pandemias. O que lhes diria é que nenhum destes desafios será leve e nenhum deles é inevitável, e que os geógrafos e os planeadores estão ativamente a trabalhar para encontrar soluções e alternativas. E que escolher Geografia lhes permitirá também desempenhar um papel relevante na resposta a estes desafios.

P5. Na sua opinião, qual a contribuição da Geografia e do Ordenamento do Território para a compreensão do mundo atual?
A Geografia dá-nos ferramentas para compreender a interligação entre as práticas sócio-culturais e as dinâmicas ambientais em várias escalas. Com essas ferramentas, conseguimos ter uma visão detalhada e compreensiva sobre os nossos desafios globais. Mas o valor da Geografia é mais do que a sua capacidade analítica. A Geografia é uma disciplina prática e transformadora, que procura contribuir e contribui efetivamente para a proteção dos ecossistemas, a sustentabilidade dos sistemas produtivos e do ambiente construido, a redução das desigualdades sociais, e a salvaguarda da democracia e dos direitos humanos. A Geografia faz isto através de várias ferramentas, não só através do planeamento, mas também da cultura, das artes, da educação, e de variadas formas de ativismo.